Uma instituição bancária foi condenada a pagar indenização de R$ 15 mil após ficar provado que o gerente se dirigia ao trabalhador, que atuava como caixa, dizendo para não fazer “serviço de preto”. O banco ainda promovia a exposição da produção individual do empregado. A decisão é do juiz Francisco José dos Santos Júnior, em atuação na 2ª Vara do Trabalho de Divinópolis.

No seu depoimento, a vítima relatou que o gerente utilizava a expressão racista com frequência, além de praticar outros abusos, como expor a produção individual de cada empregado em reuniões coletivas, grupo de aplicativo de mensagens e via e-mail. Uma das testemunhas afirmou que as “brincadeiras” relacionadas a aspectos físicos eram dirigidas apenas ao reclamante, valendo-se o gerente de termos como “moreninho” e “pretinho”. O autor afirmou ter feito reclamações por meio de canal interno da instituição, sem sucesso.

Pelo exame das provas, o julgador reconheceu que havia cobrança vexatória de metas e identificou o crime de injúria racial por parte do gerente operacional. Explicou se tratar de situação prevista no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal como uma forma de injúria qualificada, na qual a pena é maior do que aquela prevista para o crime de injúria simples e não se confunde com o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/2012. Para a caracterização da injúria racial, segundo o juiz, torna-se necessário que haja ofensa à dignidade de alguém, com base em elementos referentes à sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência, como no caso, em que a ofensa à dignidade do autor ocorreu por meio de elementos afetos à cor de sua pele.

Na decisão, o magistrado ponderou que ilícitos penais assim são inadmissíveis diante do nível de civilidade que a humanidade atingiu. “Tais práticas são tão comuns que chegam, muitas vezes, infelizmente, a serem invisíveis aos olhos de quem não é vítima”, registrou. No caso, considerou que o bancário foi atingido em sua intimidade, já que sofreu ofensa direta e inaceitável à sua dignidade, causadora de humilhação no ambiente de trabalho.

O juiz sentenciante destacou que a própria Constituição brasileira consagra o repúdio ao racismo como um dos princípios da República Federativa do Brasil (artigo 4º, inciso VIII) e estabelece como objetivo fundamental (artigo 3º, inciso IV) a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer forma de discriminação. Citou, nesse mesmo sentido, no âmbito do Direito Internacional, a Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, que traz medidas para eliminar toda discriminação em matéria de emprego e profissão, com incentivo a leis e programas de educação sobre o tema e à colaboração com empregadores e organismos, a fim da aplicação da política de combate à discriminação, entre outros pontos.

Na conclusão do julgador, essas diretrizes normativas foram frontalmente infringidas pelo banco através de um de seus empregados gestores, o gerente operacional (artigo 932, III, do Código Civil). A situação foi considerada abuso de direito, previsto no artigo 187 do Código Civil.

“Ora, conquanto o banco réu tenha o direito de exercer o poder diretivo na relação de emprego, em todos os seus contornos, praticando a fiscalização do labor prestado, a imposição de regras internas em favor do esquema de produção, bem como a atuação disciplinar, tudo deve ser feito com atenção para a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CRFB) e o valor social do trabalho (artigo 1º, IV, e 170, caput, CRFB)”, pontuou o juiz. Observou que a prova revelou que as cobranças de produtividade do reclamante pelo gerente eram no sentido de que o desempenho ineficaz dele se devia às suas características físicas, mais precisamente à cor de sua pele.

O juiz ressaltou que a ausência de tratamento adequado aos empregados, em níveis de desrespeito à dignidade da pessoa humana, está em total desacordo com o artigo 5º, X, da Constituição, porque plenamente invasiva da honra, da intimidade e da vida privada de um ser humano. Nesse contexto, considerou que foram demonstrados, no caso, a intensidade da violência psicológica, o prolongamento dos episódios no tempo e a finalidade do dano psíquico ou moral com o fim de marginalizar o indivíduo.

Para fixar a indenização em R$ 15 mil, o juiz levou em consideração diversos critérios, como a natureza e gravidade da lesão, o sofrimento provocado no autor e a posição socioeconômica do ofensor. Também foi considerado o caráter pedagógico da condenação, mas sem perder o parâmetro de razoabilidade e proporcionalidade, além da coerência para atuação do Estado em casos de situações ainda mais graves. Há recurso aguardando julgamento no TRT mineiro.

Fonte: TRT/MG