Ricardo relatou ter ficado 5 noites sem dormir na unidade.

O motorista de aplicativo Ricardo Roberto dos Santos fez um relato minucioso de tudo que viveu nos 5 dias que precisou ficar internado na UPA do Bairro Jardim Peluzzo em Patos de Minas. Morando na Capital do Milho desde 1980, ele destacou em cerca de 4 páginas a quantidade de pessoas atendidas pela unidade, a precariedade dos equipamentos, além da falta de estrutura para prestar todos os atendimentos. Ao final, ele gradeceu aos profissionais e cobrou das autoridades medidas para sanar todos os problemas presenciados por ele. Ricardo relatou ter ficado 5 noites sem dormir na unidade.

Veja o relato na íntegra:

O objetivo deste artigo não é tecer críticas infundadas ao funcionamento da UPA de Patos de Minas, uma vez que tal unidade, como sabemos, é alvo de várias matérias nesse sentido, devido às muitas reclamações de usuários do sistema. Desejo apenas narrar os fatos que me aconteceram durante o período em que estive ali internado na área de observação.

Tudo começou quando, em 22/11/2019, uma sexta-feira, por volta das 22h00, me senti mal no trabalho, com um mal estar. Parei de trabalhar e fui para casa onde tomei um remédio costumeiro para este tipo de problema. A partir de então, o que era apenas mal estar se transformou em uma dor no abdomem que aumentava gradualmente.

Então decidi buscar atendimento na UPA, pois a dor estava ficando insuportável. Ao chegar ali, fui prontamente e gentilmente atendido pela recepção, que fez meu cadastro e pediu que aguardasse ser chamado para triagem. Depois de cerca de 20 minutos, fui chamado para triagem, que verificou minha temperatura e minha pressão e pediu que eu aguardasse agora o chamado do médico. Cerca de duas horas depois fui chamado pelo médico que ouviu minhas queixas de dor no estômago e me encaminhou para a sala de enfermagem, onde receberia a aplicação de analgésicos para aliviar a dor. No momento da consulta, não me foi solicitado nenhum exame, nem me foi prescrito qualquer medicamento para tomar em casa, caso a dor retornasse.

No sábado, 23/11/2019, fiquei boa parte do dia sem sentir qualquer incômodo e fui dormir sem dor. Porém, na madrugada, acordei, pois comecei novamente a sentir muito mal estar até a dor aparecer novamente e eu novamente decidi procurar a UPA por volta das 03h00, onde novamente fui bem recepcionado, passei pelo processo de triagem e, por volta das 05h30, fui chamado ao consultório do médico, que novamente ouviu minhas queixas, me encaminhou para a sala de enfermagem, onde receberia a aplicação de analgésicos, me prescreveu Omeprazol 20mg, para fazer uso em casa e solicitou uma coleta de sangue para verificar algumas suspeitas. Visto que o posto de coleta de sangue abriria as 07h00, aguardei ali mesmo, uma vez que quando terminei de receber a aplicação de analgésicos, já eram 06h30. Após a coleta, retornei para casa depois de ser orientado a retornar após o almoço para mostrar o resultado desses exames ao médico.

Naquele mesmo domingo, 24/11/2019, por volta das 14h00 retornei à UPA para mostrar o resultado ao médico. Eu já sentia novamente muita dor, pois o medicamente aplicado na última madrugada parecia não ter tido muito efeito. Novamente fui bem recepcionado e fiz o procedimento de triagem, sendo que às 15h30 eu já me encontrava no consultório onde o Dr. Huelton Cruvinel Benfica examinou o resultado dos exames. Ele disse que os exames de sangue acusavam uma infecção em alguma parte do abdômen e solicitou pedidos de exames adicionais (Ultrassonografia do abdômen superior e uma endoscopia) para eliminar suspeitas. Depois de me receitar alguns medicamentos para fazer uso em casa enquanto aguardava o resultado dos exames, ele me encaminhou novamente para a sala de enfermagem onde eu novamente receberia analgésicos para o alívio da dor intensa! Após o término desse procedimento, retornei para casa.

Na segunda-feira, 25/11/2019, consegui agendar para quarta-feira às 07h30 os exames solicitados na Clínica Medic Imagem. Porém, nesta noite de segunda, por volta das 21h00, a dor retornou e tive que comparecer novamente à UPA. Fui prontamente atendido pela recepção e fiquei aguardando a triagem que demorou cerca de uma hora devido ao fluxo enorme de pessoas aguardando atendimento. Quando fui atendido pela triagem, minha pressão estava 16/10 e minha temperatura estava normal, sem febre, mas a dor só aumentava. Fiquei aguardando por uma hora e visto que não havia sido chamado pelo médico e a dor só aumentava, solicitei novamente comparecer à sala de triagem para narrar minha situação e pedir mais urgência no meu caso. Fiquei novamente aguardando atendimento na recepção onde pude observar que havia uma aparente falha no software de atendimento, pois o mesmo chamava a mesma pessoa várias vezes, mesmo após ela já ter entrado para o consultório médico. Isso atrasava bastante o atendimento e deixava irritados os que ali aguardavam.

Por volta de meia-noite, o sistema chamou meu nome e compareci ao consultório 2 para atendimento, onde fui recepcionado pela Dra. Amanda Laboissiere Rath que prontamente ouviu minhas queixas e me examinou manualmente. Ela solicitou nova coleta de sangue para acompanhar a evolução do meu caso e me encaminhou novamente à enfermagem para que fossem administrados analgésicos, onde novamente obtive alívio da dor.

Retornei à UPA pela manhã daquela terça-feira, 26/11/2019, para fazer a coleta de sangue. Nesse meio tempo eu havia conseguido antecipar a endoscopia, que foi feita no Hospital Imaculada Conceição naquela mesma manhã às 11h00. O resultado da endoscopia me foi entregue às 17h00. Decidi que aguardaria para fazer a ultrassonografia na quarta pela manhã e assim, poderia mostrar todos os exames juntos. Porém, na noite daquela terça-feira, a dor voltou a incomodar e de forma gradual foi piorando, até que por volta das 20h30 decidi retornar à UPA novamente.

Definitivamente, parece que as coisas a partir daquele momento, seriam bem diferentes. Logo na entrada, percebi que duas pessoas fumavam do lado de fora, mas a fumaça adentrava à sala de espera, na recepção. Mais uma vez fui prontamente atendido na recepção e fiquei aguardando me chamar para triagem. Embora houvesse menos pessoas que nos outros dias, o atendimento estava mais lento, pois só havia 2 médicos atendendo e não havia pediatra naquela noite. O sistema apresentava novamente falhas, chamando a mesma pessoa diversas vezes, mesmo após ela já ter sido chamada ao consultório. Depois de 30 minutos, fui chamado para triagem e depois retornei para a recepção, onde fiquei aguardando ser atendido pelo médico. Enquanto aguardava ali na recepção, notei duas baratas transitando pelo recinto, talvez devido à grande quantidade de restos de comida deixados ali no chão pelos próprios usuários. Nesse ínterim, escutei uma das funcionárias comentando com outra que o atendimento seria agilizado, uma vez que havia chegado um terceiro médico. Por volta das 24h00, finalmente fui chamado ao consultório 3, onde fui prontamente atendido por um médico que pela primeira vez atendia naquela unidade. Ele ouviu minhas queixas e visualizou no sistema o resultado dos exames de sangue. Daí, me indagou quantas vezes eu já havia comparecido àquela unidade e, após analisar ou outros exames que eu tinha em mãos, me perguntou se ninguém havia me internado. Ele solicitou que eu colocasse a mão onde eu sentia mais dor e depois disso me encaminhou à maca onde me examinou manualmente. Assim que me sentei novamente na cadeira ele disse que os exames descartavam infecção no baço, fígado, pâncreas e rins, mas que acusavam uma infeção grave, muito provavelmente na vesícula e que, a partir daquele momento eu ficaria internado para tomar antibióticos e, enquanto me encaminhava às pressas para a sala de enfermagem, iria terminar de preencher os papéis, porque meu caso era urgente e que eu seria inclusive colocado na fila de cirurgia do SUS, e que só faltava o resultado do ultrassom, que eu faria no dia seguinte e que, sem dúvida, seria conclusivo. Confesso que fiquei admirado com a agilidade deste médico, cujo nome não consegui identificar, pois analisou rapidamente os exames e tomou logo as devidas providências!

Quando me apresentei à sala de enfermagem, fui gentilmente recepcionado pela enfermeira Rosária, que prontamente me solicitou que eu me sentasse no local de aplicação enquanto ela preparava os medicamentos. Após a aplicação dos analgésicos ela me conduziu ao setor em que eu ficaria “internado” em observação. Nesse momento fui apresentado ao meu leito, na verdade a uma cadeira reclinável dura e desconfortável, onde, inclusive, na parte onde se apoiava os pés não havia almofada, pois havia sido arrancada! Também fui informado que ficaria ali até aparecer um leito no setor de internamento e que, caso isso não acontecesse, era o que tinham a me oferecer no momento. Foi ali naquela cadeira reclinável que começaram a me administrar os antibióticos prescritos pelo médico. Quando comecei a sentir dores nas costas, devido ao desconforto, solicitei à minha esposa que levasse àquela unidade, um travesseiro e algo que pudesse forrar aquela cadeira, visando diminuir meu desconforto.

A partir de então, pude observar que minha localização naquele recinto se tornaria outro problema, não só para mim, mas para todos ali internados. A sala de observação propriamente dita (de aproximadamente 5m x 7,5m) continha 5 macas à esquerda e 5 cadeiras reclináveis à direita, além de outras cadeiras comuns para acompanhantes. Minha cadeira estava disposta exatamente entre esta sala e uma pequena sala identificada como “Administração Intramuscular / Passagem de Sonda” e, ao lado dela ficava outra pequena sala com 4 cadeiras e duas balas de oxigênio, identificada como “Nebulização”. Ao lado de minha cadeira havia outra onde durante todo meu período de internação, alternaram-se diversos outros pacientes. Portanto, no total, somavam-se 12 “leitos”.

Notei que na sala de observação havia um aparelho de ar condicionado instalado no chão (nunca vi algo assim), e quando funcionava, não fazia qualquer efeito, pois 5 das 6 janelas que havia naquele recinto ficavam sempre abertas, demandando um gasto enorme de energia. As paredes da sala de observação estavam em péssimo estado com algumas partes expondo o preenchimento interno do dry-wall. No local em que eu me encontrava, não havia qualquer tipo de ventilação ou janela, tornando o ambiente ainda mais insuportável. Fiquei “internado” nesse local desde a madrugada de terça-feira (26/11) às 00h30 até o domingo às 15h00 horas. Portanto, foram 5 noites em que mau cochilei, pois tudo acontecia ali em volta de mim. Eu ficava de frente à sala de enfermagem, de frente ao corredor que dava para os consultórios, banheiros, raio x, sala de eletro e emergência. De modo que todos que adentravam à UPA passavam por ali. Devido à grande demanda, era um movimento constante todo o tempo, ou seja, todos que entravam para obter atendimento nos consultórios, realizar exames, todas as macas trazidas pelo SAMU ou Corpo de Bombeiros, todos os que buscavam a aplicação de medicamentos, todos os que buscavam atendimento nos consultórios pediátricos, todos os que eram encaminhados à nebulização, obrigatoriamente passavam ali na minha frente. Era um liga e desliga de luzes o tempo todo. Por todo esse período pude perceber o imenso esforço daqueles profissionais de enfermagem para conseguir atender toda aquela demanda absurda que simplesmente não parava de crescer. Houve momentos em que, em minha volta ficou abarrotado de pessoas recebendo medicação em cadeira de rodas, pois não havia vagas em macas ou em cadeiras reclináveis como a minha. Esse acúmulo de pessoas dificultava o acesso à área de nebulização e “Administração Intramuscular”, dificultando ainda mais o trabalho intenso daqueles valorosos profissionais. De terça até quinta, para tomar banho, fiz uso de um banheiro que fica distante da área de observação, a cerca de 50 metros, tendo acesso pelo corredor da pediatria. A porta deste banheiro não possui maçaneta e ficava apenas encostada e isso causava certo constrangimento, pois outros pacientes às vezes, tentavam entrar sem bater! Na sexta, fui informado que na ala de internamento havia outro chuveiro no banheiro masculino e que eu poderia fazer uso dele se assim desejasse. De sexta a domingo passei a utilizar o banheiro da ala de internamento, mesmo porque, de sexta a domingo, o banheiro masculino que fica em frente aos consultórios médicos no corredor de entrada, estava sem papel higiênico. No sábado pela manhã, a UPA amanheceu sem água, porque resolveram trocar a caixa d’água naquele dia e, por falta de conexões adequadas, só conseguiram restabelecer o fornecimento de água por volta das 18h00.

Pude perceber também que não há um esquema definido para o horário de limpeza de cada setor, pois, em duas ocasiões, na quarta e na sexta, a limpeza do chão coincidiu exatamente com o horário das visitas. Então, as funcionárias da empresa de limpeza terceirizada, mesmo com um acúmulo maior de pessoas ali na ala de observação, faziam a limpeza, esbarrando o rodo nos pés dos visitantes sem demonstrarem que estavam causando qualquer inconveniente!

Depois de alguns dias de observação, pude chegar à seguinte conclusão:

A UPA não foi projetada para atender à demanda existente hoje. Não há espaço físico adequado, a estrutura está mal conservada e há uma certa precariedade em alguns equipamentos. Tudo isso prejudica e dificulta o trabalho dos profissionais que prestam atendimento ali, uma vez que eles se esforçam para tentar compensar essas falhas estruturais, entendendo, ao mesmo tempo, que sua boa vontade e profissionalismo ao tentar oferecer o melhor atendimento, vêem-se limitados pelas falhas supracitadas. Pude perceber, ao final de cada plantão, como aqueles profissionais, em especial da área de enfermagem, terminavam seu turno, não só cansados, mas extenuados e exaustos, devido à alta demanda, muito além de suas capacidades físicas e muito além do que se pode esperar de um ser humano normal. Quem apenas recebe atendimento naquela unidade e em seguida vai embora, não imagina o tipo de trabalho que esses profissionais realizam ali e nem as terríveis condições a que são submetidos, temendo eu até mesmo pela saúde física, mental, e pelos impactos psicológicos negativos desta situação sobre esses valorosos profissionais.

Agradecimentos: Me sinto motivado a agradecer a todo o corpo médico que presta atendimento na UPA III de Patos de Minas, na pessoa da DRA. Juliana Torres M. Oliveira, que, juntamente com os demais, me prestou o melhor atendimento, dentro das limitações impostas, destacando-se como excelente profissional, sempre solicita e gentil, prestando esclarecimentos e tomando as melhores decisões para o bem-estar de seus pacientes. Agradeço adicionalmente a todos profissionais da área de enfermagem, que me dedicaram esforço, atenção, e me conferiram dignidade, nas pessoas, apenas para citar alguns destes valorosos e admiráveis profissionais, Stefani, Bruno, Rosária, Mônica, Luciana, Aparecida, Maria de Fátima, Érica, Márcia, que muito bem representam todos os demais, que me supriram de tudo o que eu necessitava para terminar meu tratamento e estivesse apto para a cirurgia que foi feita com sucesso no dia 02/12/2019, fora desta unidade.

Sem mais, desejo apenas que as autoridades de saúde do município de Patos de Minas, possam tomar atitudes que mostrem mais interesse pelo bem-estar e pela dignidade dos cidadãos patenses, na esperança, mesmo que remota, que uma melhor gestão dos recursos públicos possam ser melhor aplicados, visando sanar tantas falhas ora verificados.

Atenciosamnente,

Ricardo Roberto dos Santos