Novas vozes movimentam a comunidade negra da cidade.

“Dia 20 de Novembro morria um Zumbi

Mais vivo que nunca, pra gente tá aqui

Sedento por vida e por liberdade

Lutando pra que houvesse mais igualdade

Líder do Quilombo denominado Palmares

Pela luta dos negros ele se fez a resistência

Racismo sim é uma doença”

(Racismo é uma doença - DuArte)

Neste 20 de novembro, se celebra o Dia da Consciência Negra. Apesar de ter sido instituída em Lei apenas em 2011, a data é comemorada desde 1960 pelo Movimento Negro no Brasil, como forma de homenagear Zumbi dos Palmares, um dos maiores símbolos da luta pela liberdade do povo negro no país.

Muito além de uma figura histórica, Zumbi inspira a comunidade preta do Brasil na luta contra o preconceito, que está enraizado na nossa sociedade. De acordo com José Antônio Ventura, Coordenador de Políticas Públicas do Conselho e Promoção de Igualdade Racial de Patos de Minas (Compir) e Presidente da Federação Nacional Quilombola, há no país um racismo estrutural latente.

“O dia da Consciência Negra é hoje, mas, para nós que militamos nessa causa, o trabalho é de 365 dias por ano no combate ao racismo estrutural que existe no Brasil”. Ele diz ainda que a comunidade não é vista pelo poder público da cidade. “Nós aqui em Patos de Minas somos uma população invisível ao poder público, juntamente com nossos trabalhos de Umbanda, Candomblé, samba de roda e todas essas culturas que passam despercebidas”.

Ainda segundo José Antônio, a população quilombola sofre bastante com o descaso do poder público. “Existe uma grande população quilombola que foi desapropriada de suas terras e hoje se encontra marginalizada nas regiões periféricas, sem acesso a políticas públicas na cidade”.

Por esse motivo, Ventura convoca a população para que participe da luta pelos direitos do povo negro e também do combate ao racismo visando a uma igualdade racial. “Nós somos um povo unido nos nossos princípios e vamos lutar pelos nossos direitos. Hoje, nós queremos respeito a nossa cultura e que seja um dia de muita reflexão para a população patense e também de todo o Brasil”.

As novas vozes pretas de Patos de Minas

“De Mandela a Martin Luther

De Muhammad Ali brigando no ringue

E de pequenos grandes atos como o de Rosa Parks

Como King sonhava para que teus filhos não fossem julgados por cor

e sim por personalidade.

King se foi, seu sonho ainda fica

Ainda vivemos numa sociedade Maldita”

(Racismo é uma doença - DuArte)

Assim como Zumbi dos Palmares, outros nomes importantes da História mobilizaram a luta pela igualdade racial pelo mundo, como Nelson Mandela, Marthin Luther King Jr. e Rosa Parks. Inspirados por esses e por outros ícones de resistência, há pessoas na região de Patos de Minas que também se utilizam de sua voz para legitimar e fortalecer a luta da comunidade negra na cidade.

É o caso da coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU) de Patos de Minas, Élida Abreu. Segundo Élida, a luta contra o preconceito faz parte de sua trajetória pessoal desde a infância.

Élida Abreu.

“A militância está comigo desde que eu nasci. Sou filha de pai e mãe pretos da periferia, então sofri durante minha infância com o racismo. Eu escondia minha essência para poder me enturmar nas rodas de amizade no colégio. Porém, eu sempre encarei isso de uma forma diferente. Eu não abaixava a cabeça e sempre questionava o que diziam na escola sobre a comunidade preta”, relata Élida.

Desde então, Élida se envolveu mais com as demandas da população negra até ingressar no MNU em 2016. Dois anos depois, em 2018, assumiu a função de coordenadora do projeto em Patos de Minas, que possui braços espalhados por todo o país. A partir daí, vários avanços já foram conquistados, mas ainda há trabalho a ser feito.

“Aqui em Patos, conseguimos a criação do Conselho e Promoção de Igualdade Racial, que conta com membros da sociedade civil e do poder público. Com isso, temos conseguido muitos avanços na cidade, mas ainda falta a adesão de grande parte da comunidade negra, devido à própria falta de conhecimento de alguns grupos sobre a existência do Movimento”, afirma.

Outra voz importante da comunidade negra patense é Felipe Augusto Duarte Rodrigues. O jovem de 21 anos, conhecido como DuArte, se utiliza de suas redes sociais para veicular poesias de protesto contra o racismo. O poema Racismo é uma Doença, por exemplo, que norteia toda esta reportagem, é de autoria de Felipe, que se inspira na cultura do rap para escrever suas letras.

“Quando eu tinha sete anos, fui para Uberlândia. Lá, eu conheci a poesia, as rodas de rima e a cultura do rap. Desde então, eu tomei paixão pela escrita. Sempre quis falar sobre racismo, pois é algo que eu e minha família sentimos na pele, e essa foi a forma que encontrei para fazer isso”, conta o artista patense.

Felipe DuArte.

Hoje, DuArte já atinge mais de mil pessoas pela internet. Além disso, as rimas conseguiram uma repercussão que vai além das mídias digitais. A Prefeitura de Patos de Minas chegou a utilizar um trecho de uma de suas poesias em uma prova da Escola Municipal Prefeito Jacques Corrêa da Costa. Para Felipe, contribuir na tomada de consciência da comunidade ao seu redor é recompensador.

“Eu tenho ideais bem formados, e coloco a cara para bater. Sempre que me bate uma inspiração, eu vou até o Instagram e posto um vídeo. Algumas pessoas já me disseram que minha poesia mudou a ideia que elas tinham, e isso é muito gratificante”, relata o jovem.

Veja como foi a participação de Felipe DuArte no Programa Contraponto:

O poder da educação

Ações educativas são primordiais no combate ao racismo.

“Na minha faculdade ouvi uma hipocrisia

Racismo era o tema do dia

Na frente da sala uma mina dizia

Que se acabar a cota, acaba o racismo no Brasil

Tadinha, quanta hipocrisia no coração

Mas não a culpo, culpo a alienação

Problema nunca foi cota

Sempre foi educação

Que por sinal é péssima

Como a mídia ressalta um país miscigenado

Onde a miscigenação não é representada na sala de Aula

O problema é cota? Ou oportunidade?

Você acha mesmo que o carinha do cursinho concorre de igual pra igual com preto de favela pra entrar na faculdade?”

(Racismo é uma doença - DuArte)

À medida que as vozes do movimento negro se posicionam em prol da comunidade, como forma de superar os preconceitos, é fundamental que a sociedade como um todo possa compreender, respeitar e apoiar as causas desse grupo. Para o historiador e atual Diretor de Memória e Patrimônio Cultural de Patos de Minas, Geenes Alves, a educação é a principal ferramenta que pode ser utilizada no processo de promoção da igualdade racial.

“Desconstruir o preconceito em relação à população negra é um trabalho que vai demandar muita atenção, cuidado e excelência dentro das instituições de ensino. Afinal, são séculos de marginalização e de um olhar equivocado sobre esse grupo”, afirma Geenes.

Ainda segundo Geenes, antes de tomar qualquer medida, o primeiro passo que as escolas e os professores devem realizar é o reconhecimento do racismo como fenômeno verdadeiro e enraizado na sociedade brasileira.

“Primeiro, é preciso que as instituições, os educadores e as famílias reconheçam a existência do racismo estrutural, para que estabeleçam metas e procedimentos didáticos e metodológicos que combatam essa realidade e promovam a igualdade racial não apenas no discurso, mas na consciência, na mentalidade e no coração das pessoas”, destaca.

Nesse sentido, uma das ações feitas pelo poder público brasileiro foi a implantação das Leis 10.693 (2003) e 11.645 (2008), as quais preveem a obrigatoriedade do Ensino da história e cultura afro-brasileira e africana desde a Educação Básica. Para Geenes, essa medida foi de suma importância para o combate ao racismo no país.

“Esse já é um passo significativo para que haja estrutura adequada e suficiente para que se trabalhe essa temática nas escolas. Com isso, podemos ter uma situação diferente da que temos hoje no que se refere ao racismo”, completa o historiador.

Estudante de Ciências Contábeis, o poeta DuArte também ressalta a importância de mobilizar a juventude no combate ao racismo por meio da educação.

“No Brasil, há um racismo velado: as pessoas são racistas mesmo sem perceber. Por isso, precisamos ensinar o valor do respeito às nossas crianças, desde novas. É mais fácil moldar o pensamento de uma pessoa jovem, para que lá na frente, ela tenha uma visão diferente e possa ensinar outras crianças. Afinal, não se nasce racista, se aprende a ser racista”, diz DuArte.

Representatividade

“Na TV preto não é representado

Tem duas opção pra novela das 9 ser notado

Ou empregado de madame ou novela de escravo

Hoje tá mudando, muito se deve a Léa Garcia

Taís Araújo, Lázaro Ramos

e também Emicida

É de pouco em pouco que mudamos essa idéia e batemos no peito

Pessoas como eles que defendem o orgulho de ser preto.”

(Racismo é uma doença - DuArte MC)

Embora, na teoria, já existam dispositivos constitucionais que promovam a igualdade racial no país, ainda há um longo caminho a ser traçado no que se refere à representatividade da população negra no poder público. Mesmo sendo maioria na população brasileira, há menos negros eleitos a cargos políticos que brancos.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2020, pela primeira vez na história, metade dos candidatos que concorreram nas Eleições se declararam como pardos ou pretos. No entanto, 63% das prefeituras e 54% das vagas nas Câmaras Municipais serão ocupadas por pessoas brancas. Em Patos de Minas, dos  254 candidatos a vereador, 129 se declararam pardos ou pretos, sendo que apenas seis  foram eleitos: João Marra, Carlito, Wilian de Campos, Vitor Porto, José Luiz e Cabo Batista.

Para Élida Abreu, a representatividade nas instituições públicas é fundamental para o fortalecimento da comunidade negra.

"Tivemos muitos homens e mulheres pretos assumindo as Câmaras Municipais, mas a quantidade ainda é pequena. Infelizmente, falta uma formação política na sociedade que permita que a população negra, que é maioria, ocupe mais espaço. Com isso, conseguiremos ter mais voz e faremos nossas demandas serem ouvidas”, afirma Élida.

Racismo, violência e esperança

“Vim conquistar meu espaço, sem pisar em vocês

E calar boca de quem disse que preto não tem vez.

FORAM 80 TIROS 80 TIROS 80 TIROS”

(Racismo é uma doença - DuArte MC)

O dia da Consciência Negra começou com uma notícia revoltante. O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, por seguranças brancos em um supermercado de Porto Alegre chocou o país e reforçou a importância de ações urgentes no combate ao racismo no Brasil. Afinal, esse não é o primeiro caso de violência contra a população preta - e, infelizmente, não será o último.

Neste ano, o mundo foi às ruas protestar contra a violência policial contra a população negra, embalado pela morte de George Floyd. Até a liga de basquete mais importante do mundo - a NBA, nos Estados Unidos - atuou como uma plataforma de protesto, com jogadores boicotando partidas e se ajoelhando antes de cada jogo. Tudo isso, de acordo com Élida Abreu, aponta ainda mais para o papel da sociedade como um todo no combate ao racismo.

“A luta contra o racismo não é só do povo preto, mas de toda a população. É uma questão, de oportunidade, de respeito, de equidade e de justiça”, finaliza.

“Punhos cerrados, resistência a escravidão

Enfim, o racismo tá em toda parte irmão,

Você quem escolhe enxergar isso ou ser cego por opção”

(Racismo é uma doença - DuArte MC)

Conheça mais sobre as vozes do movimento negro em Patos de Minas:

Felipe Duarte (DuArte MC)

Instagram: @ofelipe_d

Élida Abreu (MNU)

Facebook: Élida Abreu