A debandada na equipe econômica, reconhecida na véspera pelo ministro Paulo Guedes, reflete a frustração dos liberais para tocar a agenda de enxugamento do Estado num momento em que as pressões se avolumam no sentido contrário, mas também joga luz sobre a não-execução de promessas de campanha em meio a dificuldades gerenciais e parco conhecimento da máquina pública.

Após o pedido de demissão dos secretários especiais do Ministério da Economia Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização), a Reuters conversou com três fontes do time econômico, que corroboraram a versão dada na véspera por Guedes, de que havia insatisfação dos dois secretários com o andamento das privatizações e da reforma administrativa.

Em condição de anonimato, contudo, uma das fontes pontuou que, independentemente do momento de crise econômica por conta da pandemia de Covid-19, o ritmo dos trabalhos nessas duas frentes já havia sido freado inúmeras vezes por desarranjos de gestão ou pela vontade do próprio Executivo.

Apesar de eleito com uma auspiciosa agenda de venda de ativos da União, o governo não conseguiu dar tração às privatizações mesmo antes da crise da pandemia, lembrou a fonte. Ela destaca que isso se deu tanto com processos que demandavam a benção de outros ministérios —como no caso dos Correios—, como também vendas que seriam teoricamente mais fáceis, como da Casa da Moeda, que fica sob o guarda-chuva do próprio Ministério da Economia.

No caso da reforma administrativa, a equipe econômica chegou a ensaiar o envio de uma PEC em novembro do ano passado, mas recuou sob determinação do presidente Jair Bolsonaro em meio a turbulências e protestos sociais na América Latina, principalmente no Chile. O temor do Planalto era de que a proposta acabasse sendo rechaçada pela sociedade e pelos parlamentares.

Depois disso, houve o anúncio de que o texto seria apresentado em fevereiro deste ano, mas o plano foi adiado sem data firme para voltar à pauta, com Bolsonaro temeroso da reação contrária dos servidores, que têm forte poder de pressão no Congresso.

Nas última semanas, o presidente tem se dedicado com cada vez mais afinco ao projeto de reeleição, viajando pelo país e colhendo os frutos da recomposição de renda garantida pelo auxílio emergencial que, ao custo de 254 bilhões de reais até agora, foi a medida de maior vulto do governo para o enfrentamento ao surto de coronavírus.

No entorno de Bolsonaro, os pedidos por aumento de despesas e dribles à regra do teto de gastos para garantir uma retomada mais forte da economia têm sido feitos com cada vez menos cerimônia.

Filho do presidente, o próprio senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse recentemente ao jornal O Globo que Guedes “vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho” para obras de infraestrutura —bandeira cara também aos militares, que ocupam cargos de relevo no governo.

Uma segunda fonte ouvida pela Reuters admitiu que, na equipe econômica original, havia “acúmulo de frustrações” com o ambiente de Brasília, e um sentimento de que havia “rejeição” ao liberalismo na hora em que o engajamento se mostrava realmente necessário.

TIME ENFRAQUECIDO

Guedes montou seu time majoritariamente com nomes do mercado, muitos dos quais chegaram à Brasília com a percepção de que seriam recebidos de braças abertos pelos parlamentares apenas pelo fato de a plataforma de Bolsonaro ter vencido as eleições. Isso a despeito de o próprio presidente ter marcado sua longa atuação no Congresso pela defesa de projetos estatizantes e interesses de categorias do funcionalismo que lhe são caras, como as forças policiais.

Se o primeiro ano do governo foi em boa parte consumido com o conhecimento do terreno, como chegou a admitir Salim publicamente, o segundo chega à metade sem resultados efetivos nas principais frentes de batalha travadas nas duas secretarias.

Em seu programa de governo, Bolsonaro havia estimado reduzir em 20% o volume da dívida pública por meio de privatizações, concessões, venda de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos em instituições financeiras oficiais.

Apesar de o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ter dado prosseguimento a um programa de venda de participações, em relação às empresas controladas pela União o caminho trilhado pelo governo em 2019 foi na direção contrária. O governo constituiu mais uma estatal, a NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea, e promoveu a capitalização de 9,6 bilhões de reais de estatais não dependentes, sendo 7,6 bilhões de reais somente com a Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais).

As demissões anunciadas na terça-feira também aumentam a lista de partidas recentes no Ministério da Economia, levantando temores de enfraquecimento da pasta.

Em julho, deixaram o governo o então secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e o diretor de programas da Secretaria Especial de Fazenda, Caio Megale. O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, também pediu demissão.

Antes disso, o então secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, havia saído do cargo para assumir, em maio, a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics.

A despeito das baixas, uma terceira fonte pontuou que o sentimento na equipe econômica ainda é de que será possível circunscrever os gastos extraordinários a este ano e que o comprometimento com as reformas segue o mesmo.

Sobre a permanência de Guedes neste cenário, a primeira fonte pontuou que ele “gosta do cargo e da oportunidade que ele traz”, e já aceitou reveses desde o ano passado em nome dos projetos que ainda vê a possibilidade de implementar.

Fonte: Reuters