Se você leu a versão anterior deste texto, precisa conferir o meu pedido desculpas disponível neste link

Você já deve ter se olhado no espelho e observado seus pés de galinha, suas linhas de expressão e suas “rugas” quando sorri, e achado que precisa urgentemente de botox. Ou olhado sua boca e achado ela fininha, irregular, desigual e pensou em colocar um preenchimento labial no primeiro lugar da sua lista de prioridades. Ou ainda, tirou uma selfie em um momento feliz, em que estava se sentindo bonita e quando olhou pra ela pensou: “Nossa, na minha cabeça eu estava mais bonita! Meu Deus! Preciso fazer uma harmonização facial!”.  

A mesma coisa deve acontecer quando você olha para o seu corpo. Por mais que você malhe e se alimente bem no dia a dia, seu corpo não chega nem aos pés do corpo daquela blogueira X, ou daquela famosa Y. Sua cintura não se define daquele jeito, seus flancos continuam aparentes e seu bumbum não está na nuca. Talvez sua insatisfação esteja nos seus dentes, você acha que a solução está nas lentes de contato e pensa em investir nisso. Ou está nos seus cabelos, na gordurinha dos seus olhos ou nos gominhos que você não tem.

Você se sente triste, insatisfeita, inadequada e tem vontade de fazer tudo que estiver ao seu alcance para atingir aquele objetivo. Mas imagina seu susto quando eu te disser que esse objetivo não pode ser atingido, pelo menos não da maneira que você imagina. Não adianta se matar na academia, passar milhares de cremes de skincare, fazer dietas e tomar chás milagrosos. Essas metas só são alcançadas com procedimentos invasivos, muitas vezes cirúrgicos e que custa muito dinheiro.

Existe uma indústria que lucra com a sua tristeza e a sua insatisfação com seu corpo, que quer que você compre cada vez mais cremes com funções inusitadas, como derreter gordura, que faça procedimentos que “previnam” o envelhecimento quando você tem apenas 20 anos. Essa mesma indústria quer que você esteja tão desolada que faça consórcios, empréstimos, financiamentos e junte cada centavo que tem para colocar silicone ou manter seu botox “em dia”. Olha só como eles querem te ajudar, ainda “facilitam” o pagamento! Quantas pessoas você conhece que fizeram de tudo para colocar silicone? E se esse fazer de tudo foi ficar 2 anos comendo miojo ou deixando de sair pra juntar o dinheiro?  

Seu desalento sustenta essa indústria. As blogueiras e famosas que você segue não te contam o que elas fazem de verdade pra ter aquele corpo, algumas até contam e glamourizam a intervenção cirúrgica como se fosse fazer uma limpeza nos dentes, algo simples e barato, que deve ser feito sempre que necessário. E quantos produtos de beleza essas mesmas blogueiras indicam todos os dias? Quantas vezes você comprou ou quis comprar uma gominha para ajudar no crescimento dos cabelos, um primer mágico que tira todas as rugas do seu rosto, um batom que incha os lábios, um shampoo perfeito que custa mais de 100 reais, enfim a lista é infinita.

Enquanto isso você deixa de pensar nas questões realmente importantes da sua vida, como sua profissão, sua espiritualidade, suas amizades e vínculos familiares, relacionamentos amorosos, se terá filhos agora ou depois. Tudo isso fica em segundo plano. Você deixa de lado sua educação, não faz aquele curso porque “é caro”, deixa de construir seu patrimônio, comprar um apartamento, uma moto ou carro que vão facilitar sua locomoção e consequentemente aumentar sua qualidade de vida porque seu objetivo principal é melhorar sua autoestima. Neste caso a palavra autoestima é usada para te enganar, você acha que está se cuidando quando na verdade você está ajudando apenas a manter o funcionamento dessa indústria milionária.

Eu já fui assim também: obcecada com a “beleza”, no fundo eu era escava da beleza, precisava estar sempre maquiada, bem vestida, de preferência de salto alto para me sentir bem. Depois vieram os procedimentos estéticos, e passei a achar que necessitava preencher com ácido ialurônico meus pés de galinha, passei a não tirar mais selfie sorrindo, só postava se estivesse com filtro, de preferência aqueles que mudam totalmente o rosto, me achava linda assim. Mas na câmera do celular e no espelho era aquela decepção. Até que li uma frase da Gail Dines que me marcou profundamente, ela dizia o seguinte: “Se amanhã todas as mulheres acordassem amando seus corpos, pense quantas indústrias iriam falir”.

Comecei a observar quantos produtos para cabelo, rosto e corpo eu tinha em casa, quantas maquiagens, roupas e sapatos eu tinha e o resultado foi aterrador: eu tinha coisas demaaaais! Precisaria ser umas cinco pessoas para conseguir acabar com tudo aquilo. Para colocar fim neste ciclo comecei a observar as mulheres reais, aquelas que me cercam e tem corpos e pele bonitos e percebi que para minha surpresa elas tinham manchinhas, linhas de expressão, flancos salientes e suas silhuetas não eram “perfeitamente desenhadas”, já que aquele corpo “perfeito” só é alcançado na mesa de cirurgia. 

Geralmente a expressão “corpo perfeito” é seguida pela expressão padrão de beleza. Esses padrões são características físicas consideradas ideais e pode mudar de acordo com o país, a idade, a cultura e a época vivida. No renascimento, o modelo de beleza pré-supunha mulheres cheinhas, com seios fartos e quadris largos. Esse padrão foi mudando com o passar dos anos, já foi cilíndrico nos anos 20, nos anos 80 e 90 quem passou a ditar os padrões foram as super modelos altas, magras e com poucas curvas. Hoje o padrão é ditado pelas Kardashian e outras, que fizeram inúmeros procedimentos cirúrgicos e estéticos. 

Em todas as épocas os padrões são inseridos pela alta sociedade, começando com a realeza no Renascimento, seguindo com os estilistas nos anos 20, as atrizes e modelos nos anos 80 e 90 e culminando nas Kardashian. O que une todas as épocas é que para alcançar esse padrão é necessário ter dinheiro, e muito. Na época do renascimento a fartura de comida era restrita aos nobres e reis, logo os plebeus não atingiam esse padrão. Na era dos grandes estilistas as produções eram caras e limitadíssimas, para tê-las era necessário alem de dinheiro, uma certa influência. Depois na era das modelos, era necessário ser alta e ter um corpo magro, muitas vezes adoecido para ser alcançado. E hoje o padrão de beleza imposto é literalmente feito em sala de cirurgia e acompanhado do padrão de consumo de maquiagens, roupas de grife, bolsas e uma vida de ostentação. 

É fundamental entender que esse padrão de beleza nasce de uma imposição para que você não seja escrava dessa indústria e mova mundos e fundos para alcançar esse padrão. Pois assim que você alcançar, ele mudará. Há um tempo a moda era colocar próteses enormes de silicone, hoje a moda é optar pelo “natural” e nada garante que mude novamente em breve. Com a conexão que a internet nos proporciona esses padrões duram cada vez menos e mudam cada vez mais rápido. Tornando o Investimento cada vez mais alto e os procedimentos mais frequentes. 

No entanto, este não é um texto para diminuir mulheres que já fizeram ou vão fazer um procedimento estético cirúrgico. Na verdade, esse é um convite à reflexão. Existem problemas que precisam ser corrigidos por um médico. Há casos em que a saúde e a qualidade de vida estão prejudicados, e todos sabem disso. É preciso pensar melhor sobre essa questão. Minha mãe é enfermeira e trabalha com médicos que fazem cirurgia plástica. As pacientes que decidem fazer vários procedimentos ao mesmo tempo são classificadas como “mulheres X Tudo”, ou seja, até a linguagem é depreciativa e nos coloca como produtos em ponto de corte. Agora, pare e pense: você realmente precisa desses procedimentos? Por fim, aos profissionais da área, fiquem tranquilos, ninguém é contra o lucro e a livre atividade, mas podemos discutir o tema e nos questionar, como mulheres e, em última instância, como consumidoras e pacientes. 

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