Um dos principais motivos pelo qual me candidatei a prefeito de Patos de Minas nas eleições de 2020 foi para confrontar as incoerências e qualificar o debate político em nossa cidade. Durante o segundo debate, ocorrido dias antes da eleição, fiz questão de denunciar o encaminhamento da proposta de terceirização do Hospital Regional Antônio Dias (HRAD) pelo governador Romeu Zema e falei sobre a importância de elegermos um prefeito que resistisse à proposta de administração via Organizações Sociais e seus respectivos impactos negativos no provento de serviços médicos. Dias depois, após o governador utilizar carros oficiais para participar da carreata promovida por Luís Eduardo, os dois gravaram um vídeo na tentativa de mitigar as perdas eleitorais provenientes de tal proposta. Aparentemente a manobra funcionou, afinal, Falcão foi eleito com uma grande margem dos outros candidatos e ainda conseguiu classificar a denúncia de “Fake News”.

 

Disponível em: http://www.fhemig.mg.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2028:o-que-sao-organizacoes-sociais&catid=1483:fhemig-oss

 

Passados pouco mais de 4 messes e no pior momento da pandemia do covid-19 na nossa região, uma visita do, agora, ex-secretário de saúde que seria para trazer boas novas sobre a expansão da infraestrutura da saúde pública na cidade acabou por ser revelar um imenso “cavalo de troia”. Aproveitando-se do apoio político de seu afilhado na prefeitura de Patos de Minas, o governador Romeu Zema escolheu o nosso Hospital Regional para ser cobaia de um experimento que já falhou em vários lugares. O mais recente foi no caso do Estado do Rio de Janeiro, onde o próprio governador Wilson Witzel foi preso acusado de receber propina das Organizações Sociais para beneficia-las em licitações da pasta da saúde. A propósito, o ex-secretário de Saúde de Minas Gerais, senhor Calor Eduardo Amaral, é socio de empresas que recebem repasses do SUS e foi afastado de suas funções devido a denúncias de furar fila da vacinação contra o covid-19.

 

http://sintramsj-cut.com.br/2017/10/oss-entenda-por-que-esse-modelo-de-administracao-do-sus-e-tao-prejudicial-a-populacao/

Além de vir no pior momento possível, haja vista que estamos completando quase um ano de pandemia em que nossos profissionais da saúde estão extremamente sobrecarregados, a proposta de terceirização da administração do Hospital Antônio Dias é contra o que o próprio governador Romeu Zema e a agenda liberal minimamente sensata. Segundo o próprio programa eleitoral de Zema, o Estado deve se concentrar apenas nas atividades fundamentais da sociedade: educação, segurança e saúde. Fica então, difícil entender a escolha política de Zema e Falcão em iniciar esse processo amplamente rejeitado pela sociedade no momento de maior sobrecarga do sistema de saúde. Por essa razão, nesse texto vou me concentrar em ponderar porque a proposta de terceirização da administração da saúde pública deve ser rechaçada pela população, não só agora, mas sempre que governos acenarem para a terceirização de suas responsabilidades, no caso, a saúde pública de Minas Gerais.

O argumento a favor da terceirização advém do tradicional discurso de que a administração pública não funciona e que entregar à iniciativa privada é a única maneira de melhorar o serviço. Nesse sentido, advoga-se que essa nova governança possibilita uma maior autonomia e responsabilidade dos dirigentes dos serviços, permite controle social direto através de conselhos de administração, amplia as parcerias com o setor privado e aumenta a eficiência e qualidade dos serviços com um menor custo. Dessa forma, tentarei aqui explicar como que essas expectativas são amplamente frustradas quando se analisa a atuação das Organizações Sociais na área da Saúde.

Primeiramente é preciso lembrar que uma Organização Social não é uma estrutura jurídica inovadora, apesar de possuir um título jurídico especial, conferido pelo Poder Público. O que difere as Organizações Sociais das demais entidades privadas sem fins lucrativos é a deliberação superior através de conselhos, de forma que o repasse de bens e recursos públicos pelo Estado fica condicionado à assinatura de contratos de gestão. A normatização exigida nos instrumentos legais para qualificar as entidades como OS pouco diverge do padrão vigente nas “parcerias” já existentes entre o estado e o setor privado não-lucrativo e lucrativo, que vendem seus serviços ao SUS. Um exemplo conhecido na nossa cidade é o Hospital São Lucas, que apesar de particular, atende majoritariamente pacientes do SUS. Dessa forma, a própria constituição das Organizações Sociais é juridicamente discutível, haja vista as atuais figuras jurídicas existentes podem assumir o mesmo papel. Ademais, além da inconstitucionalidade da transferência de responsabilidade pelo estado de serviços que afetam substancialmente avida população (segurança, saúde, educação, etc), existem o impedimento legal de se usar contratos de gestão entre a iniciativa privada e a administração pública, o que impede a cessão de  servidores públicos para entes privados, com proposto para a OS. Ademais, fica difícil de acreditar que a proposta “inovadora” de administração da saúde pública através de Organizações Sociais seja de fato benéfica para a sociedade sem uma ampla discussão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nos conselhos regionais e municipais de saúde; e ouvindo os usuários do HRAD e seus profissionais.

Ao transferir a responsabilidade pela gestão da saúde pública para Organizações Sociais o governo cria mais ator privado que, pela lógica do mercado, precisará garantir sua própria sobrevivência e rentabilidade através da disputa pela “clientela”. Nesse caráter dual, público e privado, as OS precisam se viabilizar financeiramente através da oferta de serviços a preços mais altos, além de permitir que essas organizações pleiteiem ressarcimento financeiro dos entes públicos por serviços prestados a SUS-dependentes que não forem atendidos dentro das determinadas “cotas”. Além da constituição de uma dupla clientela, privilegiando segurados e pagantes privados, a administração via OS fará opção por patologia de menor custo e maior lucro, ampliando a inequidade da prestação de serviços de saúde.

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Um dos principais problemas para os estudiosos do nosso Sistema Único de Saúde (SUS) é a relação existente entre o interesse público e o setor privado, seja ele filantrópico ou lucrativo. Não pode ser considerada como inovadora uma proposta que não foi discutida pela sociedade brasileira ou por seus representantes. Pelo contrário, o Conselho Estadual de Saúde rejeitou a proposta de inserção das Organizações Sociais na rede FHEMIG e convocou a Secretaria Estadual de Saúde para prestar esclarecimentos sobre o referido edital (CES convoca SES-MG e Fhemig para explicações sobre edital de seleção de Organizações Sociais (OS) para Hospital Regional Antônio Dias, em Patos de Minas.)

Ao invés de concentrar em aperfeiçoar a gestão do SUS e sua relação com os demais provedores já existentes, o governador Romeu Zema prefere estimular a disseminação de mais uma figura jurídica que não altera os principais entraves da saúde pública mineira. Nenhuma possibilidade de gestão nova ou moderna foi estimulada ou exigida pelo Estado frente aos seus “parceiros” históricos na prestação de serviços de saúde. 

A tentativa de desmentir durante as eleições a intenção de terceirização do Hospital Regional Antônio Dias apenas revela o que o governador Romeu Zema e o prefeito Luís Eduardo Falcão sabem da rejeição da proposta e mesmo assim querem insistir nesse modelo falido, corrupto e irresponsável. A insensibilidade desses gestores com os profissionais da saúde e toda a população da região noroeste de Minas Gerais não pode avançar sem que aja uma reação da sociedade organizada em defesa do nosso HRAD.  Como forma de resistência à proposta do governador e do prefeito, o Conselho Estadual de Saúde convovou a Secretaria Estadual de Saúde para dar explicações sobre o referido edital de seleção de Organizações Sociais para adminstrar o nosso Hospital Regional. Com esse intuito entramos com um requerimento através do deputado estadual Professor Cleiton para que sejam apresentados os estudos técnicos, sociais e gerenciais capazes de comprovar que não haverá́ comprometimento dos atendimentos e da gestão da saúde pública em nossa região.

Uma administração, municipal e estadual, que se diz técnica, espera-se que, ao menos consiga demonstrar a viabilidade do que se pretende fazer, não com slides repetidos, mas, com dados concretos e estudos técnicos sérios capazes de tranquilizar as pessoas e os servidores do Estado que, ano a ano, são injustiçados e perseguidos como se fossem eles, e não os gestores, os pilares da crise que vivemos.