Meu nome é Eduardo Tavares, sou filho de uma mulher preta e neto de uma índia. Eu cresci no Bairro da Vila Rosa, que é sempre um dos primeiros lugares a ser atingido quando temos uma enchente. Minha infância nesse bairro foi um misto de sofrimento e alegria. Era sofrido voltar da escola em tempo de chuva com os pés atolando em barro e lama, não havia asfalto nessa época. Também era chato passar a noite à luz de lampião, já que não tínhamos energia elétrica. Vila Rosa era uma “invasão”, uma ocupação “ilegal” feita por gente que jamais poderia comprar uma casa num lugar decente, e foram pra beira do rio. Isso foi no início dos anos 80, e a Vila Rosa se tornou o lar de mulheres e homens que são pobres de tão pretos, e pretos de tão pobres!

                   O lado bom da Vila Rosa é que sempre estávamos perto do poderoso Rio Paranaíba, e o víamos como um bom amigo. Ele, o rio, nos dava alimento, bastava andar uns trezentos metros para pescar bons peixes (na minha infância o rio não havia sido tomado pela poluição). Não tínhamos geladeira e para conservar o bom presente do rio, usávamos sal, bastava limpar o peixe, salgar abundantemente, e deixar secar ao sol. Preciso confessar que ficava mais gostoso que o peixe fresco, era o “bacalhau” do Paranaíba! 

                Esse rio sempre foi um bom amigo, nunca deixou sua cidade com sede. Mas de vez em quando chove além da capacidade dele, e o pobre rio acaba deixando escapar algumas águas, desabrigando alguns dos seus filhos. Mas isso nunca foi culpa dele, o Paranaíba já deixou claro ao longo de mais de cem anos dessa cidade quais são os seus limites em tempos de muita chuva. O problema é que o homem rico explorou o pobre, se apossou dos locais mais seguros da cidade (por meio da especulação imobiliária), e empurrou o pobre para os braços do Paranaíba. O pobre rio fez o que pode, acolheu os pobres, deu bom peixe, animais de caça, não deixou nenhum ribeirinho passar fome. Mas tem coisa que o rio não dá conta, às vezes cai água demais, e ele acaba incomodando seus amigos. 

               O poder público não tem ajudado o rio, ele está cada vez mais poluído, esse mesmo poder público também não ajuda os pobres, deixando eles aos cuidados do bom Paranaíba. O Rio, coitado, carrega as águas da chuva impiedosa, mas as águas da hipocrisia, do abandono aos pobres, às águas da falta de política habitacional DECENTE, foram volumosas demais. O Paranaíba sempre foi amigo dos mais pobres lhes dando peixe quando faltava dinheiro pra carne, mas não conseguiu suportar as águas da política de segregação social, e transbordou atingindo seus queridos! Perdoem o Rio, ele não o fez por querer, é que deixaram milhares de pobres pra ele cuidar, e sozinho ele não dá conta de todos, vai precisar da ajuda da administração pública!