Por Gilberto Dumont

   Como disse certa vez o célebre geneticista John Haldane, “o universo não é mais estranho do que supomos, ele é mais estranho do que somos capazes de supor”. 

   À luz do rigor científico, podemos assertivamente dizer: a famosa teoria do “Big Bang” não se baseia em especulações, mas em centenas de dados pontuais, tomados de várias fontes diferentes, convergindo para sustentar uma única e coerente teoria. De início, podemos nos embasar no trabalho de três grandes cientistas: Edwin Hubble, George Gamow e Fred Hoyle. 

Edwin Hubble

   Edwin Hubble talvez tenha sido o astrônomo mais importante do século XX, fundamentando a astronomia observacional enquanto Albert Einstein alicerçava a cosmologia teórica. Em suas observações, Hubble descobriu não só a singularidade de outras galáxias como universos-ilhas inteiros, assim como determinou suas distâncias e a velocidade com que se moviam. Para tal, Hubble analisou a mudança do comprimento de ondas de luz que as galáxias emitem, efeito conhecido como Doppler. No espectro eletromagnético da luz, utilizando-se do efeito Doppler, detectamos uma tonalidade com desvio para o azul, quando o objeto vem em nossa direção, e vermelho quando o objeto se afasta de nós. Quanto maior a distorção desta tonalidade, maior a velocidade do astro. 

   Após Hubble analisar um conjunto de 24 galáxias, ele percebeu que quanto mais distante uma galáxia estivesse, mais rápido ela estava se afastando da Terra, assim como as equações de Albert Einstein previam. A razão entre a velocidade, dividida pela distância, era aproximadamente uma constante, que hoje é conhecida como constante de Hubble, e é o que nos informa a taxa em que o universo está se expandindo. O valor da constante de Hubble se tornou ainda mais preciso após os resultados apresentados pelo satélite WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe). Este resultado encontrado por Edwin Hubble seria a primeira prova do que tempos depois chamariam de “Big Bang”. 

George Gamow

   O interesse de Gamow pela cosmologia iniciou-se na década de 1940, após o mesmo ter deixado grandes trabalhos e descobertas no âmbito da relatividade. 

   Nesta época, pelos trabalhos de Hubble sabia-se que o universo estava se expandindo, assim, os cientistas interpretavam que em determinado momento houve um início. Como bom pesquisador, Gamow estava disposto a encontrar evidências que comprovassem ou refutassem este início expansivo do universo, ou “Big Bang” como é conhecido hoje, pois era isso que as equações vinham mostrando. Se os cálculos estavam corretos, teria de existir um “fóssil” que comprovasse. Tendo contribuído de forma contundente nos trabalhos de reações nucleares, a ideia de um início incrivelmente quente intrigava-lhe, pois haveria de existir um calor residual que ainda estivesse circulando no universo hoje. Esse seria o “registro fóssil” deste evento.

   Corroborando as pesquisas até aqui realizadas, George Lemaître, em 1927, após estudar sobre a teoria de Albert Einstein e dos demais pesquisadores sobre o surgimento do universo, propôs pela primeira vez que o universo teria surgido de algo comprimido como um átomo, de incrível temperatura e densidade, numa súbita expansão. Esta teoria sofreu bastante resistência no começo, mas, com a evolução dos cálculos de George Gamow, a publicação do artigo de Ralph Alpher e Robert Herman, em 1948, apresentando cálculos que estabeleciam a temperatura da radiação cósmica de fundo, a teoria foi se consolidando e sendo aceita no meio científico, mediante tantas evidências apontando para a mesma direção. A radiação cósmica de fundo era o “fóssil” proposto por Gamow, algo que comprovaria de uma vez por todas que houve uma expansão de grandes dimensões no início de tudo. Os estudos desapontaram Gamow, que perdeu as esperanças em medir um campo de radiação tão fraco quanto os cálculos apontavam e, em 1955, ele e os outros pesquisadores desistiram desta aferição. Pura questão de falta de tecnologia para a época! Os instrumentos da década de 1940 eram inadequados para tal aferição.

Por fim, Fred Hoyle

   A radiação de fundo de micro-ondas proposta por Gamow nos daria a segunda prova de que houve um universo surgindo de um ponto quente, denso e bastante comprimido. Lembremos que a primeira prova foi a expansão detectada por Edwin Hubble. Porém, esta teoria do surgimento encontrou Fred Hoyle, um sujeito que passou grande parte de sua vida profissional tentando refutá-la. Para a ciência estas posições não são ruins, pois podem apresentar evidências que conduzirão à verdade. Para Hoyle não fazia o menor sentido uma “grande explosão” surgir do nada e disparar galáxias em todas as direções, para ele, o universo simplesmente existia, sem um começo nem fim. 

   Foi num encontro em 1949, na BBC (British Broadcasting Corporation), que os convidados George Gamow e Fred Hoyle se arrostaram para debater as duas teorias, e Hoyle fez história ao criticar jocosamente a teoria rival, chamando-a sarcasticamente de “grande explosão” (Big Bang, em inglês). Pronto! O nome pegou. A célebre teoria estava equivocadamente batizada como “Big Bang” pelo seu maior opositor. Os defensores da teoria tentaram mudar o nome, pois logicamente não estavam satisfeitos com a conotação comum, nada científica, para não dizer vulgar. Inicialmente porque não houve um “big”, ou seja, “grande”, já que tudo se originou numa minúscula singularidade, menor que um átomo – e depois porque não houve um “bang”, uma “explosão”, visto não haver ar no espaço cósmico. Na década de 1990 houve inclusive um concurso realizado pela revista Sky and Telescope para mudar o nome da teoria do Big Bang, sem sucesso. 

   Por anos as evidências sobre esta teoria foram crescendo, sempre embasadas pelos cálculos e observações, e Hoyle se viu numa batalha perdida. O crivo para a teoria do “Big Bang” acabou por ocorrer em 1965. Lembram da radiação cósmica de fundo? Pois bem! Arno Penzias e Robert Wilson trabalhavam numa pesquisa de sinais de rádio vindos do espaço quando captaram uma estática indesejada. Após acreditarem ser sujeira que pudesse estar gerando aquele ruído, fizeram uma limpeza no radiotelescópio. A estática se intensificou mais ainda. Embora ainda não soubessem, eles tinham acabado de detectar o fundo de micro-ondas previsto pelos estudos de George Gamow. Gamow, Alpher e Hermann já haviam proposto a teoria por trás do fundo de micro-ondas em 1948, mas desistiram porque os instrumentos da época eram ineficientes para detectá-la. Em 1965, Penzias e Wilson encontraram esta radiação, mas não sabiam disso. Foi um terceiro grupo, liderado por Robert Dicke, que também tentava encontrar a radiação de fundo, que uniu os estudos de Gamow com a descoberta de Penzias e Wilson. Ambos ganharam o Nobel de Física em 1978. Esta descoberta enterrou toda a teoria de Fred Hoyle, que reconheceu oficialmente a teoria do Big Bang na Nature de 1965. A radiação de fundo estabeleceu uma segunda prova para este surgimento do universo.  Após estas descobertas o próprio Fred Hoyle, opositor da teoria, pôde em suas pesquisas explicar a abundância de elementos leves como hidrogênio e Hélio no universo, o que se tornou a terceira prova em favor da teoria alcunhada como Big Bang. 

   É desta forma que a ciência se constrói: um pareamento de pesquisas, cálculos e observações, apontando todos para uma única direção, e sempre replicáveis por novos observadores, ratificando os resultados encontrados. Este é o abismo que separa a doxa da episteme, a opinião do conhecimento. Opinião não refuta ciência!